sábado, 31 de dezembro de 2011

João Guilherme

Inspirado em uma história levemente real.

Eles estavam tentando, até com boa vontade, mas era realmente difícil. Não com aquilo na porta de casa, aquele imponente carro negro, reluzindo na noite e destoando da decoração e do figurino. Enquanto as casas da vizinhança ouviam todo tipo de música alta e alegre e os vizinhos se preparavam para o grande momento, aquela família aguardava a virada do ano procurando esconder o constrangimento que sentia por abrigar um carro de funerária em plena garagem. A culpa era do namorado da filha mais nova: ele trabalhava em uma capela e estava de plantão naquela noite. Defuntos, afinal, não esperam terminar os fogos na TV ou acabar o último pedaço de pernil para bater as botas. Alguém tinha de fazer o trabalho funesto e, para infelicidade daquelas pessoas, a noite era do pobre rapaz.

Não que a festa tivesse sido preparada com desleixo ou que houvesse algum motivo para tristeza. Muito pelo contrário. Todos passavam muito bem, obrigado, e havia enfeites por toda a casa. A TV fora posta em um lugar privilegiado para que as crianças se distraíssem até a chegada da meia-noite e os parentes acompanhassem a contagem regressiva. O banquete à mesa era algo esplêndido: carnes de todos os tipos (menos de galináceos, pois estas aves ciscam para trás e isto dá azar no ano novo), doces a perder de vista e bebidas à vontade. Mas tudo parecia sem gosto com aquela coisa estacionada.

O tio mais velho estava absolutamente revoltado:

- Este moleque só pode estar de sacanagem! Colocar um rabecão dentro de casa em plena noite de ano novo?

A mãe buscou amenizar a situação oferecendo o máximo de comida possível aos convidados. Mas sempre que metia os olhos na janela, se assustava e deixava um salgadinho cair no chão, o que não ajudava em nada.

A avó, matriarca da família, era a única a ver na cena um tanto macabra algo de bom:

- Sonhei que desta noite eu não passo... aquele caroço no meu pescoço aumentou um absurdo, vem cá ver - ordenou a um aterrorizado netinho.

A jovem, que tentava manter o namorado alheio aos comentários dos parentes, se encolhia um pouco mais na cadeira cada vez que era ser atingida por um dos muitos olhares de reprovação após ter estragado o réveillon.

A tia fofoqueira, cujo esporte favorito era deixar embaraçados todos os presentes nas reuniões familiares, desta vez fora compelida a não perguntar nada sobre um possível casamento entre os dois pombinhos.

Até que o imponderável aconteceu. Não era para ser agora, não a poucos minutos da contagem regressiva. Não, aquele carro, definitivamente, não deveria ter sido solicitado naquele momento.

Mas foi.

A filha mais velha, casada, dois filhos e grávida do terceiro, sofreu o que os livros de medicina chamam de amniorrexe, levando-a ao princípio do processo de eutócia. Enquanto ela se esvaía em água e seu pai entrava em estado catatônico, o marido se perguntava, inconformado: "Por quê, meu Deus? O médico falou que a criança só iria nascer depois do dia 15!”

É, mas o destino prega peças. Quem imaginaria que o menino ia escolher justamente a noite de ano novo para vir ao mundo? Justo quando todos estão ligando uns para os outros, desejando felicidades e congestionando as linhas telefônicas. Justo na hora em que chamar um número de emergência é tarefa das mais difíceis, a mulher resolve entrar em trabalho de parto.

Um parto mesmo foi convencê-los de que a única solução seria levá-la ao hospital naquele bendito rabecão. Eles estavam prontos para fazer todos os procedimentos na sala de estar mesmo. Só mudaram de ideia quando ela sofreu uma contração tão forte que quase fraturou a mão que estava segurando – a do marido, por acaso. Enfim, às favas com os maus agouros, a saúde da criança era mais importante. E, junto com o espocar dos fogos, o rabecão partiu desabalado em direção ao hospital, pronto para trazer mais uma vida ao planeta, pronto para fazer mais uma família feliz.

João Guilherme nasceu às 02h02 do dia 01/01, pesando 3,3kg e medindo 55cm. Absolutamente saudável e voraz em sua primeira mamada. Médicos e enfermeiros fizeram do menino o principal assunto naquele plantão. Afinal, quando o tenebroso carro preto parou na porta do hospital e dele saiu uma grávida em vias de dar à luz, o pensamento de todos os presentes foi basicamente o mesmo: "Só pode ser bom agouro".

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Alguém explica?

Caro leitor, peço que exercite seu poder de abstração e tente imaginar a cena:

Era noite fria e silenciosa em uma rua quase deserta de Mesquita. Sou um homem da noite, e são poucas as situações que me causam temor. A visão de um horizonte povoado apenas por alguns animais buscando proteger-se do relento e carros estacionados sob a luz dos postes de iluminação pública me é familiar. Confesso que aprecio o gosto do ar frio, o cheiro da névoa, a respiração que se torna concreta quando o ar quente dos pulmões enfrenta o sopro gelado da vastidão noturna.

Normalmente estou armado para todo tipo de surpresa, agradável ou não, que possa aparecer em minhas incursões pela cidade. Mas o fato é que a cena que presenciei hoje me pegou desprevenido. Ainda me sinto alerta e já contarei por quê:

Depois de caminhar alguns passos, acompanhado pela iluminação bruxuleante das TVs que atravessava as janelas das casas, deparei-me com a presença de quatro homens, altos e mal-encarados, parados em uma calçada. Todos muito vestidos, protegendo-se do vento, mantinham uma conversa de poucas palavras, praticamente inaudíveis. No meio deles, um imponente cão negro observava o meu caminhar. Aparentemente, era o único que havia percebido a minha presença. De repente, antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, um dos homens colocou a mão no bolso, e dele sacou um aparelho de celular. No exato momento em que eu passei por eles, uma música começou a tocar.

O som de violino não me era estranho, a voz feminina que saiu dos alto-falantes do celular tampouco. Entretanto, demorei um pouco para me dar conta do que estava prestes a acontecer naquela rua. E qual não foi minha surpresa ao ouvir a mulher pronunciando palavras que qualquer testemunha daquele momento jamais esperaria ouvir:

"I know that we are young

And I know that you may love me

But I just can't be with you like this anymore...

...

...

...

...

Alejandro..."

PORRA!!!! P.Q.P!!!! Lady Gaga!!!??? É serio isso, meus amigos?! Como faz, agora?

Depois de um breve soslaio de reprovação para o grupo que estragou minha quase crônica policial, continuei tranquilamente meu caminho de casa. Ou quase isso, já que ninguém vê o que eu vi e sai andando tranquilamente.

Clique aqui pra ver o clipe original e perceber que a realidade pode ser muito mais surpreendente que as ideias mirabolantes da Lady Gaga. Ou não.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A nova década já começou mal

Não quero e não gosto de ser rabugento (que isso), pessimista (nããããooo), mau humorado (Cláudia manda beijos), mas o ano de 2011 não traz bons augúrios. Os próximos nove anos, aliás, serão complicadíssimos, escrevam o que estou dizendo. Nem é o risco de uma terceira guerra mundial eclodindo nas Coreias ou no Oriente Médio, ou o governo Dilma, ou o retorno triunfal de Lula em 2014. Também não falo do colapso ambiental e energético que o consumo desenfreado puxado pelos países emergentes. Mas tudo isso fica em segundo plano quando estamos diante da quebra de uma sequencia que marcou a mais intensa das décadas da história. Durou pouco mais de dez anos, mas se tornou uma tradição que certamente, iremos repetir sempre que possível. Mas 2011 trará seu fim. Sentiremos saudades dos óculos de ano novo. Mas os genuínos. Aqueles, cujas lentes eram os zeros do ano vindouro. Ou seja, para ter um bom óculos, é preciso que um ano tenha pelo menos dois zeros em seus algarismos. PORRA, 2011!!!


Vejam como eram divertidos e lúdicos. Faziam a alegria de crianças, adultos, até mesmo de políticos (não é, Sr. Kassab, o estiloso de 2009?). Para 2011 até tentaram emplacar o modelo abaixo, mas eu acho que não ficou muito legal. 1 não é 0. Zero é uma boa lente, mas um pode ser, no máximo, uma haste.


Enfim, pra quem ainda tem alguma esperança de que esse ano vai prestar, tsc, tsc, só vou deixar meu Feliz 2011 por pena e porque é convenção social.
Em 2020 a gente conversa. Até!

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Três velinhas para assoprar

Oi. Eu sou o Conspirando. Hoje meu aniversário. Não que alguém se importe. Meus pais me esqueceram, meus leitores me esqueceram, meus companheiros blogs me esqueceram. O lado ruim de fazer aniversário perto do Natal é que a gente só ganha um presente pelas duas datas. Mas no meu caso exageraram. NEM UM!!!! Necas. Nadinha. Nem um selo "este blog é bacaninha", nenhuma corrente pra participar, nenhuma foto ou vídeo engraçado/ constrangedor da internet... nem mesmo um comentariozinho (chuif)... Nenhuma pedância d'O Idiota, nenhuma efemeridade travestida de sapiência d'O Lerdo, nenhuma fofurinha d'A Vilã, nenhum comentário incompreensível d'O Chato, nenhum erro de digtiaãço d'A Psicopata, nenhum manifesto tecnológico d'O Esquisito, nenhuma boiolice d'A Interesseira... D'A Trambiqueira eu não espero nada mesmo, fica só o registro. Aliás, só tô escrevendo aqui, às 23h45 pra não passar em branco... Ficou pra mim, essa tarefa, que absurdo.

Aí, vamos parar de melodrama. Não estamos aqui pra chorar estas mágoas. O Ano Novo se aproxima, e com ele virão novos tempos, novos posts, novas aventuras, meus tempos áureos estão voltando.

Depois do que eu falei dos meus donos, só resta uma coisa a dizer sobre esta possibilidade:



"Aham, Cláudia, senta lá. E feliz 2011."

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O diário acabou.

Atraso - obrigado, Deus, só assim não perdi a viagem. Nuvens. Minas Gerais. Gerais das Minas. Texto no ônibus - e eu não sabia que se podia rir tanto escrevendo um texto. Matheus. Caipirinha forte pra caralho. Tentativa de assalto. japerifeelings. John Lennon. Michelle - e eu ainda não me masturbei ouvindo essa música. Bêbado. Muito bêbado. Ressaca maldita. Velvet. Fazendo alok na Velvet e achando que tá comandando a boate inteira. Ciro. Heineken. 2666. Taxista fofo que não cobrou passagem. Taxista oportunista. Albergue. Camilla frustrada e quase chorando. Nescau. Morre, diabo. Vive, deusa. Cláudia. Santa Cláudia. Ah, Xuxa! Aleijadinho. Pedra sabão. Noiva brega na Pampulha. Água de coco. Love Today. Câmera foda d'O Lerdo. Fotos incríveis com a câmera foda d'O Lerdo. Amigos. Oi? Paço. O Passo. Jazz. Ladeiras. Muitas ladeiras. Janta com música ao vivo. Desafinado. Igreja. Andar. Segurança gatinho e chato. Guia dentuço e fofinho. Escravos. Moedas. Sotaque. Salgadinho. Salgadinhos de graça só para mim. Menstruada. Dinheiro indo embora. Significa. Ryca. Mary Poppins. Dormir de cueca. Museus. Faculdade roxa. Praça. Decoração de Natal. Salada de frutas. Helicóptero do Papai Noel - ou bichinho de Avatar. Caminhão da Coca-cola. Sandy e Junior. Djavan no barzinho. Cinema legal. Pizzaria cara. Orelhão com cadeira. Shopping. Ônibus pequeno. Calça roxa. Vergonha alheia. Papai Noel na janela. Foto antiga. Mentir sobre onde mora. Luz barroca. Quarto muito bagunçado. Docinhos ruins viciantes. Comida mineira.

Hoje. Lembranças.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Diário de Minas #2

DIA 1 – 15:35

Porra, eu tomei um banho! Quando você deixa de ser criança, percebe que banho é uma das melhores coisas do mundo. Estou temporariamente num quarto só pra mim, o que significa que eu tenho liberdade. E isso quer dizer que eu deitei nu na cama e foi, basicamente, tudo o que eu mais desejava naquele momento. Não exatamente ficar pelado, mas deitar – o tirar a roupa foi apenas uma consequência de estar sozinho.

Não sei o que será de hoje. No momento só penso em um prato de comida na minha frente. Estou faminto.

Diário de Minas #1

DIA 1 – 12:32

“Eu não tenho controle sobre mim.” Foi isso que disse à Dariana enquanto o ônibus se dirigia para Ouro Preto. Mas mal partira da rodoviária. A viagem seria longa, um novo e inócuo caminho havia de ser descoberto pela larga janela do automóvel – ou não, porque estamos todos com sono, e nessas horas, a paisagem vai se escurecendo, mas não que esteja anoitecendo, nossos olhos que se fecham e repousam.

Camilla e Suellen – ambas carregam dois éles em seus nomes, mas não que isso faça alguma diferença nesta viagem – acompanham algum filme nas poltronas laterais. Mas não sei qual. Só sei que enquanto escrevo estas palavras, que surgem de modo incontrolável e saem de meus dedos como se fossem donas de si mesmas, Belo Horizonte se esvai pelo canto dos olhos.

Não é tão diferente de uma cidade comum. Não é tão diferente do Rio. Dariana concorda ao meu lado, para ela tudo também está comum demais. Diferente de quando as leves nuvens se misturavam ao verde pulsante da paisagem admirada pelo avião.

Mas se Belchior teve medo e segurou a mão de outrem, a gente segue como João Gilberto. Feliz, feliz seremos nesses dias que nos esperam.

NOTA: Esse texto é uma tremenda piada e, em hipótese alguma, deve ser levado a sério.